Novo marco regulatório para market places no Brasil: o que é importante saber
Embora exista uma tendência entre grandes varejistas pela internalização do subcredenciamento da modalidade market places, não está claro se este será o modelo preponderante
A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (câmara-e.net) e a Gmattos organizaram em julho um evento para discutir o impacto do novo marco regulatório sobre liquidação de pagamentos em market places no Brasil.
A relevância das vendas online via market places é expressiva, alcançando 25% do total vendido no comércio eletrônico no país, com viés de alta. Segundo o Internet Retailer Conference + Exhibition (IRCE), metade do faturamento global do e-commerce refere-se vendas por market places. No Brasil, estimo que também chegaremos a 50% do total das vendas no horizonte máximo de 3 anos. Os grandes players do mercado como B2W, Via Varejo, Walmart, Máquina de Vendas, Magazine Luiza, Dafiti, Netshoes, entre outros, ou mesmo novos como o iFood já operam na modalidade de Market Place, em muitos casos, atuando como liquidantes dos pagamentos ao receberem o valor integral pago, para posterior repasse aos Sellers (lojas que usam o market place para vender suas mercadorias). Nesta operação, caracteriza-se o papel de subcredenciador para a loja âncora ou market place.
No evento, especialistas da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), Visa e Moip compartilharam sua visão a respeito do novo marco definido pelo BACEN através da Circular 3886 e Carta Circular 3872.
Em resumo, o BACEN definiu que qualquer operação que realize intermediação de pagamentos, participando da sua liquidação, precisa estar enquadrada neste regulatório. Isso significa que subcredenciadores (subadquirentes ou facilitadores) que recebam o pagamento, criando uma nova agenda para dividir o recebível em partes entre sellers e market places, estão sujeitos à regulação.
Dentre outras obrigações, a mais relevante é a necessidade de uso da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) para liquidação de todos os pagamentos em cartões de crédito a partir de 28 de setembro próximo, para aqueles subcredenciadores que movimentaram mais de R$ 500 milhões em transações de crédito nos últimos 12 meses. Esta obrigação se refere aos pagamentos feitos no papel de subcredenciador apenas. A medida tem caráter de proteção ao ecossistema de pagamento, pelo eventual risco sistêmico, na falha de algum agente liquidante quanto às suas obrigações.
Mesmo para aqueles subcredenciadores que não tenham atingido este limite, é necessária adequação à normas, dentre as quais ter sua operação homologada pelos “arranjos de pagamentos”. Entenda-se “arranjos” como as bandeiras aceitas pelo subcredenciador (Visa, MasterCard, Amex, Diners, Elo, Hipercar etc). As bandeiras ou arranjos funcionarão como controladores desta nova norma, aprovando ou impedindo a operação de subcredenciadores.
Este papel a ser assumido pela Visa e outras bandeiras globais é inédito. Em nenhum outro mercado as bandeiras de aceitação têm esta responsabilidade.
Já a integração obrigatória na CIP para a liquidação de pagamentos é algo bastante complexo, pois implica em desenvolver e manter um novo fluxo para o processo mais sensível de um market place, ou seja, organizar a agenda de recebimento e divisão de valores com a efetiva liquidação dos pagamentos.
O tempo mínimo estimado para integração técnica é de 6 semanas. Contudo, o caminho crítico para sua efetivação pode ser bem mais longo, porque a CIP somente inicia seu processo após assinatura de contrato, que exige a apresentação de documentação de aprovação do subcredenciador pelos arranjos de pagamento a serem utilizados. Aqueles subcredenciadores ou postulantes a este papel que, neste momento, estiverem ainda nesta fase (contrato com a CIP) não terão mais tempo hábil de se enquadrar até a data estipulada pelo BACEN (28 de setembro de 2018).
Isso gera uma situação de atenção, porque segundo a CIP menos de 10 subcredenciadores estão em processo de integração (nenhum ainda concluído), o que leva a crer que uma grande parte da demanda dos market places será atendida via a contratação de processadores homologados (subadquirentes estabelecidos), que se encarreguem da liquidação na CIP, ao menos para adequação inicial ao regulatório.
Uma fase instável de adequação é esperada para que todos os agentes envolvidos possam se adequar, mas como quase sempre, momentos de ruptura como este podem revelar oportunidades para surgimento de novos players ou expansão de serviços para players existentes, como, por exemplo, empresas adquirentes. Não por acaso, as principais adquirentes como Cielo, Rede e Getnet Santander estão disponibilizando plataformas de serviço para o subcredenciamento. Outros players independentes como Moip também são uma alternativa para este serviço.
Embora exista uma tendência entre grandes varejistas pela internalização do subcredenciamento da modalidade market places buscando melhores margens, não está claro se este será o modelo preponderante, dada a dificuldade e complexidade deste papel. O que me parece certo, é que boa parte dos players vai terceirizar o serviço inicialmente, seja com os grandes adquirentes ou com subadquirentes independentes, ganhando tempo para validar a hipótese de subcredenciamento próprio.
(*) Gastão Mattos é sócio fundador da Gmattos, especializada em pagamentos
Fonte: CIO