IRCE 2018: o domínio ampliado da Amazon no varejo norte-americano
O Internet Retailer Conference and Expo (IRCE) aconteceu na semana passada, em Chicago, sua última edição no conceito utilizado anualmente desde sua criação, há 15 anos. A partir da próxima edição (2019), os organizadores do evento transformarão o IRCE no RetailX, ampliando o foco de conteúdo do comércio eletrônico para omnichannel, incluindo pautas voltadas a tecnologias como o RFID entre outras, tratando a multi-canalidade do varejo moderno. Uma mudança bastante aderente ao momento atual, no qual o comércio eletrônico deixa de ser um foco, para se transformar no “espírito-parte” do varejo ampliado.
Nesta última edição, o conteúdo do IRCE dissecou o perfil do “online retail” norte-americano, amplamente dominado pela Amazon. A participação das vendas da Amazon no mercado cresceu em 2017, atingindo a impressionante marca de 41,8% (em 2016, era de 36,9%). Este domínio é ainda mais expressivo na segmentação do mercado. Um estudo da Bizrate Insights apresentado pelo IRCE, mostra que 75% das famílias norte-americanas com renda superior a US$ 100 mil anuais são clientes Prime – serviço pago de fidelidade da Amazon.
O Amazon “voice device” (Echo) está presente em 11% dos lares nos EUA, e o competidor mais próximo (Google Home), em apenas 4%, sendo que 1/3 dos consumidores de 55 a 64 anos elegeram as compras via o Alexa – software para diálogo de voz do Echo – como sendo sua forma favorita de comprar.
O crescimento das vendas da Amazon foi de 22% comparando 2017 com o ano anterior: acima da média dos 500 maiores comércios eletrônicos nos Estados Unidos. Isso no ano em que a Amazon comprou a WholeFoods por US$ 14 bilhões em operação audaciosa, mas fortemente valorizada pelo mercado (considerando o momento da compra e o fechamento das ações da companhia). No final do mesmo ano, o valor da Amazon cresceu em mais de US$ 15 bilhões, ou seja, mais do que o valor pago na aquisição.
Apesar de sua operação internacional (fora EUA) ter apresentado prejuízo (US$ 3 bilhões), abatendo no mesmo valor o lucro da operação de varejo nos Estados Unidos, o lucro da AWS (Amazon Web Services – venda de serviços de hospedagem e data center) foi superior a US$ 4 bilhões. Ou seja, a Amazon tem o conforto absoluto de experimentar, desenvolver e investir no seu retail global, sem a pressão pelo resultado, pois o AWS garante a lucratividade geral da operação.
A amplitude desta liderança, com perfil de expansão, despertou mais do que admiração dos analistas e participantes presentes no evento. Começa a ser percebida uma corrente de pensamento considerando o domínio da Amazon, como negativo para o mercado. Esta constatação, eventualmente endossada pelo presidente norte-americano, Donald Trump, é baseada no crescente número de lojas físicas em dificuldades, com fechamento de pontos de venda, cortes de postos de trabalho e, recentemente, na dificuldade de novas operações de varejo para obter resultados.
O cenário tem desmotivado novos investimentos de “venture capital” em negócios de varejo. Mesmo operações tradicionais como Walmart e Target, que não têm dificuldade em capital, sentem impacto na competição com a Amazon. É necessário investir para adaptar plataformas legadas de tecnologia para atender novas demandas, como o omnichannel, e demandas por novas funcionalidades, consumindo recursos que afetam a lucratividade, ao menos, imediata de operações tradicionais. Um estudo do Internet Retailer, mostrou que para lojas multicanais entre as 500 maiores nos EUA, a participação das vendas online cresceu de 10,5% em 2012, para 15,5% em 2016. Contudo, o EBITDA (lucro antes de impostos, juros e taxas) caiu para 9% (2016) frente a 10,5% (2012). O custo da operação sofre o impacto da necessidade em investir na atualização de plataformas de serviço.
A tendência para o próximo período é de consolidação, com a aquisição de lojas médias pelos grandes players do mercado americano. O Google deve aumentar sua relevância na competição no varejo. Target, Costco e Walmart anunciariam parcerias recentes com o Google Express, plataforma de compra e gestão logística do Google. O princípio de que o “inimigo do meu inimigo é um amigo”, começa a funcionar, com grandes lojas buscando aliança com o Google, considerada a única empresa de tecnologia com força para confrontar a Amazon em algumas arenas de negócio.
A ponderação sobre a influência negativa do sucesso da Amazon sobre o “retail market” nos Estados Unidos parece superficial, pois existe ainda uma dura competição em andamento com players relevantes como Walmart e Target e, se considerarmos o mercado como um todo (online + físico), a preponderância da Amazon já não é tão dominante como somente online. Além disso, na arena global, a Amazon não tem a mesma relevância, principalmente em regiões como Ásia e América Latina.
As demandas e condições competitivas estão em transformação, causando natural instabilidade entre os players envolvidos. Nos Estados Unidos, o fator Amazon é um ingrediente de peso para acelerar a transformação e a necessidade de adaptação dos lojistas. De certa forma, a mesma instabilidade ocorre no Brasil, por motivos distintos, uma vez que não temos a Amazon dominante por aqui, mas fatores como a oferta de produtos via Market Place, integração de canais de venda, mudanças regulatórias quanto à liquidação de pagamentos também causam seu impacto. Por aqui como por lá, o desafio dos lojistas é interpretar as novas demandas, e agir na velocidade apropriada para lidar com as mudanças necessárias.
Gastão Mattos é sócio fundador da Gmattos, empresa especializada no mundo online, com foco em Pagamentos. Uma de suas competências é interpretar tecnologias emergentes e indicar o caminho viável para sua proliferação no mercado digital.